Amir Brito Cadôr
As gravuras de Tales surpreendem a gente. Como traduzir em linhas o contorno das nuvens? Como colocar em um texto meu espanto diante destas imagens?
Em uma primeira série de xilogravuras, feitas com a técnica de matriz perdida, vemos a paisagem sendo invadida pelos prédios. Quem olha pela janela, vê cada vez menos a natureza, e se contenta com um pedaço de céu que se vislumbra entre dois prédios. A sensação de ocupação do espaço é transmitida por linhas brancas que se sobrepõem.
A outra série de imagens poderia ser mostrada como se fosse idêntica à primeira, com os prédios ocupando o espaço e escondendo o céu. Aqui, é como se a natureza, representada pelo céu com nuvens, reivindicasse de volta o seu espaço. As linhas que formam figura e fundo coincidem para fazer os prédios desaparecerem sem deixar vestígios. E é aqui que vem o meu espanto diante deste jovem artista que levou a sério a definição de gravura como imagem calculada, com seus estudos preparatórios, a sua coleção de linhas e de hachuras para os diversos tons de cinza.
Não se trata apenas de habilidade, mas de uma sensibilidade que não quer deixar de registrar o incômodo causado pelo crescimento desordenado das cidades, e num gesto utópico, digno de Cervantes, retomasse o céu. A beleza destas imagens também está no que desperta em cada um, a vontade de seguir vivendo e a esperança de ver, a cada manhã, o mesmo céu de antes.
Amir Brito Cadôr é professor da Escola de Belas Artes da UFMG.